Arte-vida, arte-vômito: deglutição do real como totalidade. (Mário Jorge)

Friday, October 09, 2009

As metamorfoses da relação (ou luta) homem x máquina.



I.




Há uma cena bastante conhecida em Tempos Modernos (1936), de Chaplin, onde Carlitos, o protagonista maltrapilho, símbolo do operário-massa (na conceituação de Antonio Negri) – aquele que era produzido pelo paradigma taylorista-fordista – adentra na gigantesca Indústria. A cena provoca no telespectador a materialização cinematográfica perfeita do conceito de alienação marxista (posteriormente entendida, n’O Capital, como fetichismo da mercadoria) onde, grosso modo, há um contramovimento alienante, isto é, em vez de aquilo que é produzido servir aos interesses do produtor, acontece efetivamente o contrário: o trabalhador encontra-se não só alheio ao seu produto de trabalho como também submetido a ele (daí a escolha do termo alienação – reificação/coisificação, objetificação). A cena de Chaplin alude, portanto, a essa dialética da alienação onde em vez de o homem utilizar uma ferramenta para pôr em marcha um processo produtivo maquinal a seu favor é ele próprio que se transforma numa mera peça de engrenagem desse Mecanismo.

Quando vemos a inesperada harmonia de Carlitos dentro da Máquina (contrastando com sua quase ontológica falta de destreza e seus movimentos desastrados) estamos presenciando uma época onde a Máquina e o Homem estavam em situação de paridade. Se o processo produtivo colocava a Máquina como proponderante nessa relação, tudo indicava que o oposto poderia ser feito. A hipótese de Marx era de que os operários poderiam se unir e tomar pelas suas próprias mãos a produção de mercadorias. Ademais, o próprio Marx, enxergando essa relação dual entre Homem e Máquina, elogiou, em textos panfletários como o Manifesto do Partido Comunista, esse avanço das forças produtivas, encarando-as como quase um processo neutro, natural, objetivo.

II.



Os teóricos da Escola de Frankfurt (sobretudo Adorno, Horkheimer e Marcuse) salientaram que a relação entre Homem e Máquina é uma relação de dominação. Na esteira do conceito de técnica heideggeriano, viram um núcleo de submissão na própria reflexão racional. O acontecimento histórico que deu a verdade a esse tipo de formulação que visa colocar inevitavelmente o Homem como submetido à Máquina foi o conhecido episódio onde um chinês pára quatro tanques enfileirados usando unicamente sua presença corporal e perseverança propriamente humana.

Walter Benjamin, um frankfurtiano-limítrofe, apreendeu que o movimento que consolida a sociedade totalmente administrada (Adorno) pautada na dessublimação repressiva (Marcuse) resguarda uma espécie de “redenção”, uma explosão do continuum histórico, um salto do tigre. Embora a feição do mundo do século XX seja comparável a de uma gigante bota pressionando a face humana ao chão (metáfora de George Orwell), Benjamin defende que há uma possibilidade de redenção, noção retirada de assalto do judaísmo. Embora haja esse momento de resistência mágica, não devemos nos deixar enganar: o mesmo homem que parou os quatro tanques foi, posteriormente, assassinado pelo regime chinês.

Quem ganhou, durante os séculos XIX e XX, não foi a Máquina sobre o Homem, mas a Produção sobre ambos. O processo Produtivo modificou a Máquina e o Homem. Destruiu máquinas antigas, tornou obsoletas tantas outras, jogou homens na barbárie e miséria. A Produção que dominou em ambos os séculos. Tanto o Homem quanto a Máquina estavam a ela submetidas.

III.

O sociólogo francês Jean Baudrillard adorava brincar com a Produção. Falava, dessa vez seriamente, que a Produção tinha acabado ao passo que a Simulação tomou conta de todo o processo social. A afirmação é complicada e, para dificultar ainda mais o meio-campo, pós-moderna. Contudo, um terceiro momento da relação entre Homem x Máquina parece nos esclarecer.

Em São Paulo, o MST destruiu 7 mil pés de laranjas. E, para isso, usaram uma máquina, um tipo de trator. A cena é esquisita. Uma Máquina contra a Produção. Uma Máquina anti-produtiva. Um uso da Máquina a favor do Homem e contra a Produção. Ponto final?

Thursday, September 03, 2009

O declínio do saber e o asseptização da potência crítica.


Um dos impasses mais atuais indubitavelmente é: como fazer do pensamento uma força crítica que possibilite um engajamento prático consistente? Ou seja, dito de outro modo, como usar o saber como mola propulsora do fazer? 


Um dos dados mais notáveis de nosso mundo contemporâneo é a massificação do saber até então relegado aos gabinetes da academia universitária. Qualquer um pode, hoje, sair de casa e encontrar no super-mercado mais próximo uma obra de Kafka, Marx, Nietzsche, Kant, Espinosa... e tudo isso por menos de vinte reais. Autores que foram, por exemplo, queimados durante o nazismo em praças públicas. Evidentemente, sob a forma metafórica (mecanismo básico de todo totalitarismo) de queima de livros. Uma questão se coloca: se há uma acessibilidade tão grande a expoentes críticos da sociedade por que não há, ao mesmo passo, uma postura crítica prática? Algo parece ter mudado.

Parece muito comum que, por exemplo, diante de uma cena de preconceito exacerbado, como a revista de um homem negro recém-saído de uma loja provoque ojeriza ao homem contemporâneo. No entanto, diante de tal fato, é-lhe mais fácil racionalizar tal afeto negativo, dando-lhe uma roupagem intelectual, mostrando-se contra a esse tipo de atitude. De outro lado, tomar uma postura ativa que pudesse mudar a situação lhe parece fora de cogitação. Para ele, contemplar e se colocar, para outros e em outros locais, como num meio cibernético, contra esse fato já é ter feito demais. Há um nó específico aqui. 

A crítica ideológica marxista, por exemplo, tinha como mote central uma fase d’O Capital de Marx que remontava uma frase cristã (prato cheio para qualquer nietzschiano que queira criticar o marxismo como último estandarte do cristianismo descristianizado): eles não sabem, mas o fazem. Não obstante os acontecimentos históricos e a efervescência das mudanças, o certo é que se colocou a ideologia muito mais próxima do saber. O marxismo era então uma crítica ideológica porque era um saber que desmascarava outros saberes pretensamente revolucionários. A partir daí, ficou fácil rir de Proudhon, das tentativas esquerdistas de Rosa Luxemburgo, dos devaneios esquerlóides dos anarquistas e por aí vai. Ora, a crítica ideológica dizia peremptoriamente: Nietzsche é um fascista, portanto descartável. O nó é o seguinte: num mundo onde o saber é sabido, não conteria essa crítica ideológica um erro fundamental? 

O que quero dizer com o saber é sabido? Vejamos. Um intelectual estadista, daqueles que detém o monopólio do saber, intelectuais a serviço da especialização exacerbada, essas edições de obras clássicas, sobretudo as postas em mercado pela editora Martin Claret, são descartáveis. Sua tradução é ruim, de segunda mão. Não há rigor algum, dizem eles. É preferível, por exemplo, em lugar da Crítica da Razão Pura de Kant por 15 reais pela editora supracitada, comprar a de 73 reais da Editora CALOUSTE GULBENKIAN? Ora, não resta dúvidas de que essa tradução é de fato melhor, mas qual a mudança substancial entre uma e outra? Por que se conhece um autor como Kant cada vez mais e nada acontece? Tudo bem. Kant não é, de fato, revolucionário. Mas poderíamos citar o Manifesto do Partido Comunista. Por que mais e mais pessoas sabem esse livro e cada vez menos pessoas fazem esse livro? 



Claro está que é preciso situar a dimensão ideológica na ordem do fazer e não do saber. A última capa da Playboy é de uma mulher que é denominada Tati, da dupla ‘A princesa e o plebeu’. Ela é ex-psicóloga, segundo os dizeres da matéria e há um trecho realmente curioso:


PLAYBOY: Como Freud analisaria a referência à libido dos versos que você canta, quais sejam: Essa garota é poderosa, é gostosa/Ela faz geral pirar/De mini saia e perna grossa, faz a massa delirar..."? 

MC PRINCESA: A garota que inspira os versos seria realmente poderosa. Ela é o objeto de desejo intenso que motiva uma forte pulsão, uma fonte de energia que circula visando à satisfação. 

O narcisismo explica o fato de você trocar a carreira de psicóloga pela de bailarina de um ritmo popular? 

Em certa medida, sim. Afinal, como diria Jacques Lacan, o homem é escravo dessa paixão da alma por excelência, o narcisismo. E como seria viável subir ao palco e apresentar-se ao público sem uma dose significativa de admiração e fascínio por sua auto-imagem? 

A auto-imagem das suas pernas é mesmo fascinante. 
Obrigada. Eu também diria que o palco é, sem dúvida, uma satisfação narcísica deliciosa.


Ora, essa última frase dá o tom ideológico. “Veja, mulher gostosa, deixa de frescura, você é gostosa e eu quero te foder toda”. Ou seja, deixe para lá toda essa teoria, que no fim das contas para nada serve e eu pouco entendo. Há uma dose de cinismo insuportável e, ao mesmo tempo, muito comum em jogo. No fundo o consenso entre ambos é: “essa conversa de teoria não serve para nada, o que eu quero é ganhar dinheiro com você. Você sabe disso”. Ou, melhor dizendo, “O que eu quero que você admita para mim é que toda essa conversa teórica da qual eu não entendo é papo furado. Você sabe que eu quero te foder, e todos querem. Admita”. Olhando pelo lado de uma conversa entre heterossexuais que têm algum interesse em comum, não há nada demais. Trata-se daquela velha tara de comer a professora gostosa, ou a secretária com cara de intelectual, ou a CDF da sala que deve adorar uns tapas na bunda, ou a religiosa que tem um fogo no meio das pernas. O grande entrave é o senhor Lacan. Lacan foi, a um só tempo, o maior revolucionário que passou pela psicanálise, pois resgatou a dimensão filosófica e a tirou das garras egóicas da psicanálise americana, e também o maior reacionário, com doses de antiética capitalista visível. No entanto, Lacan é conhecido pela sua autoridade, seriedade, onipotência. Vê-lo nessa dimensão vulgar é realmente curioso. 

Lacan pode ser ideologizado num mundo onde não há mais segredos a esconder. Não há mais motivo para que só os psicanalistas formados e psicanalisados falem de Lacan. Aliás, Lacan será que não gostava de uma safadeza dessas? Ou, melhor, aposto que Lacan, ao ver o par de coxas dessa mulher, ficaria logo de pau duro. Apesar das risadas que isso pode provocar, algo de muito impactante acontece por debaixo do tapete: já não há mais dimensão real a ser elucidada, tudo já está posto. E, portanto, essa mensagem já posta não permite uma crítica, um pensamento. Já não há mais contradição possível. 

É nesse tipo de contexto que ocorre um declínio do saber, na medida em que sua instância crítica perde todo seu vapor. É nesse tipo de contexto que a crítica é docilizada. Ela serve a meios monetários esclarecidamente e ninguém está livre disso. Uma capa com “a marxista de quatro para você” não é inimaginável. Há um derradeiro fim: o saber não é tão soberano como se imaginava. É o fazer, no fim das contas, quem delimita o objeto da ideologia. 

“E você que escreveu esse texto inteiro deve estar doido para ver ela toda nua. Assuma!”.



Yanco.

Tuesday, August 11, 2009

E o Fora Todos!, lembram-se?

Em 2005, após a eclosão dos escândalos do Mensalão, o PSTU lançou uma palavra-de-ordem cujo objetivo era o Fora Todos!, isto é, a saída imediata de todos os senadores, uma dissolução do Congresso Nacional. Na época, muitos disseram que era radicalismo barato. No entanto, o mundo dá voltas e hoje, 2009, eis:


OAB sugere renúncia imediata de todos os senadores

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, sugeriu hoje, em nota divulgada à imprensa, a renúncia imediata dos 81 parlamentares que compõem o Senado Federal e a convocação de novas eleições legislativas. Na opinião de Britto, essa seria a "solução ideal" para que a Casa recuperasse a credibilidade perdida por conta dos recentes escândalos que têm como pivô o presidente do Senado, o parlamentar José Sarney (PMDB-AP).

"O Senado está em estado de calamidade institucional. O ideal seria a renúncia dos senadores", sugere. Ainda na manifestação, Britto critica os atuais bate-bocas entre membros da base governista e da oposição no plenário da Casa, como a troca de farpas entre os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Renan Calheiros (PMDB-AL). "A quebra de decoro parlamentar, protagonizada pelas lideranças - com acusações recíprocas de espantosa gravidade e em baixo calão -, configura quadro que envergonha a nação", afirma o presidente da OAB.

Apesar de reconhecer que o presidente José Sarney esteja no olho do furacão da crise por que passa a Casa, Britto diz que "a crise não se resume ao presidente da Casa, embora o ponha em destaque. Ela é de toda instituição". De acordo com o presidente da instituição, todos os senadores têm contribuído com a crise, "que se dissemina como metástase junto às bancadas". O presidente da OAB ainda ressalta que a extinção da Casa não seria a solução ideal, uma vez que os responsáveis por sua situação atual são os senadores que foram eleitos para compô-la. "O Senado não pode ser confundido com os que mancham o seu nome".

A nota ainda propõe uma eficaz reforma política, que elimine os cargos de suplência e crie o dispositivo de "recall", instrumento de revogação de mandato aplicado pela sociedade. "O voto pertence ao eleitor, não ao eleito, que é apenas seu delegado. Traindo-o, o parlamentar deve perder o mandato", diz.

http://br.noticias.yahoo.com/s/07082009/25/politica-oab-sugere-renuncia-imediata-senadores.html


P.S: Agora que foi o presidente do STF e da OAB quem sugeriu, todos vão pensar no caso.

Tuesday, July 07, 2009

A pós-modernismofobia

"Quaisquer que sejam as vicissitudes do presente, um capitalismo pós-moderno exige necessariamente que se lhe contraponha um marxismo pós-moderno"

(Frederic Jameson)

P. 01 – A pós-modernismofobia.


A pós-modernismofobia é uma síndrome, isto é, um conjunto de sinais e sintomas específicos, que assola o pensamento atual, sobretudo da esquerda, mas também a direita sofre desse distúrbio. Em linhas gerais, o sujeito é acometido por uma forte fobia quando qualquer coisa relacionado ao pós-modernismo aparece no seu campo cognitivo. Reações comuns são: agressividade, rotulação, estigmatização, indiferença e violência. O principal mecanismo de defesa dessa síndrome é a evitação, ou seja, o afastar-se do objeto fóbico. 

P.1.2. – Sintomas 

i. tudo o que feio ou mal se torna pós-modernismo;

ii. argumentação não consistente e teatralização do discurso; ou seja, o pós-modernismo não é conceituado mas, em contrapartida, é encenado, criando-se uma caricatura pós-moderna risível e ridícula;

iii. o pós-modernismo é um álibi para afirmações de cunho pessoal; então ora ele é acusado de festejar a pluralidade abstrata (multi-identidades, no caso da direita), ora ele é usado como fantoche reacionário (relativismo infantil, segundo a esquerda). 

P.1.3 – Tipos

i. Paranóide

A pós-modernismofobia paranóide consiste em dizer que o pós-modernismo é tudo aquilo que convém no momento do discurso. Então o pós-modernismo pode dizer ora que tudo vale e ora que nada existe. Para o paranóide-pós-modernismofóbico a pós-modernidade é uma praga que se espalha continuamente e é, assim, culpada por uma série de males. Alguns delírios podem advir e achar que existe um vendaval pós-moderno que pode levar tudo e todos. 

ii. Desorganizado

Discurso desorganizado, comportamento desorganizado e afeto embotado ou inadequado. O discurso desorganizado pode ser acompanhado por atitudes tolas e risos sem relação adequada com o conteúdo do discurso, além de trejeitos faciais. Geralmente são ativos, mas de um modo desprovido de propósito, não-construtivo. 

iii. Catatônico

O pós-modernismofóbico catatônico é aquele que não diz uma palavra sobre a pós-modernidade a não ser proferir frases que possuem essa matriz: “isso não serve”. 

P.1.4 – Tratamentos

É indicado para qualquer sujeito que esteja sofrendo dessa patologia a leitura de muitos livros, bem como o conhecimento embasado das obras de Michel Foucault, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Antônio Negri, Michael Hardt, Slavoj Zizek, John Holloway, dentre outros. Entender o que é o pós-modernismo, como demonstram várias pesquisas, pode ajudar e muito a diminuir a tensão frente ao objeto fóbico. Se obtiver êxito, o sujeito deve, como segundo passo, seguido do entendimento do que é pós-modernismo, argumentar e conceituar com outras pessoas com fins de conversa produtiva e aprendizado em conjunto. 

Para os da esquerda, conhecer genealogicamente o saber marxista também é um tratamento tiro e queda. Leia-se a Escola de Franfkurt demoradamente. Se não tiver efeito, a leitura de alguns livros de Nietzsche também podem ajudar como tratamento de choque. 

Para os da direita, começar a levar menos a sério as afirmações de Jean Piaget, Alan Sokal e Jean Bricmont podem ajudar a diminuir o delírio paranóico. 

Os trabalhos de Frederic Jameson, Terry Eagleton e David harvey juntos formam uma excelente e eficaz forma medicamentosa a essa patologia. 

A OMS declarou recentemente que a pós-modernismofobia já é considerada uma pandemia, cujos territórios mais afetados são as Instituições de Ensino Superior. Todo cuidado é pouco.

P.1.5 - Recomendações

Nunca exija de um pós-modernismofóbico uma conceituação clara, concisa e objetiva, o resultado disso pode ser a agudização do quadro, levando a reações desqualificantes e psicóticas, com junções de argumentos sem sentido. Portanto, sua aproximação deve ser branda e sempre acolhedora. A pós-modernismofobia não mata o sujeito, mas mata o pensamento. Tome cuidado!

O Krítica.

Monday, June 29, 2009

Observação sobre a influência social da psicanálise.

Enquanto descansava, tarde da noite, esperando que milagrosamente uma gripe chata fosse embora, eu assistia a um canal esportivo no qual estava passando um cartola de um grande clube brasileiro, nas vésperas de uma final de campeonato, falando sob lentes de várias câmeras. O objetivo do cartola era pressionar o árbitro da final. Segundo ele, que acabara de apresentar um DVD com alguns lances polêmicos decididos a favor do rival próximo, não era uma questão de chamar diretamente alguém de ladrão ou conveniente, mas da formação de uma espécie de inconsciente coletivo a favor do outro time, algo como uma conspiração sem conspiradores diretos, acontecimentos casuais que seguiam uma ordem lógica desconhecida. 

É algo já notável e óbvio como a psicanálise imprimiu seus conceitos no senso-comum das sociedades contemporâneas. Histeria, recalque, ato falho, sub-consciente, inconsciente etc., são palavras que ganharam o discurso cotidiano. Isso não é exclusividade psicanalítica, conceitos marxistas como o de luta de classes, ideologia, burguesia etc., também tomaram a frente em discussões de casais, novelas, dentre outras. No entanto, a diferença é que a psicanálise trata do ‘desconhecido’ humano, é como se a psicanálise desvelasse a mente, colocasse a nu qualquer um. 

Isto posto, a questão é o que é que se tem feito com tanta inserção no social? Hoje, mais do que qualquer outra época da história da psicanálise, nunca foi tão obscuro compreender o que é um processo de análise; nunca foi tão difícil ver a superioridade técnica da psicanálise frente a terapias psicofarmacocêntricas (ou seja, terapias que buscam a mudança do comportamento através de medidas diretivas e focais com auxílios medicamentosos). Quem não ficaria desconcertado frente a uma pergunta simples como esta: ei, o que é a psicanálise? Por onde começar? O que dizer?

Entra em colapso a capacidade da psicanálise de incidir sobre acontecimentos sociais, políticos, históricos, filosóficos e psicológicos. A psicanálise participa do atual bloqueio do pensamento. Ela parece fechar-se a pequenos círculos que falam uma língua específica. Enquanto isso, o bonde passa e amanhã a sociedade que fala hoje em inconsciente coletivo passará a falar, dentro de alguns anos, em melhor uso de psicotrópicos, remissão sintomática... 


Monday, June 08, 2009

Um vídeo sobre o tema anterior.

http://www.youtube.com/watch?v=uE0mysIHvvg&feature=player_embedded

Esse é Thomas Szasz.

Sunday, May 31, 2009

Rivotril: segundo remédio mais vendido no Brasil.

Você conhece alguém que toma Rivotril? Esse é o segundo remédio mais vendido no Brasil. Rivotril é o nome comercial de um benzodiazepínico chamado clonazepam, cujo objetivo é ser um antiepiléptico e um miorrelaxante. Em bom português, é um calmante que está na moda. Em primeiro lugar era um anticonvulsivo, sedativo, tranqüilizante etc. Hoje em dia é uma espécie de [i]coringa farmacológico[/i] cuja receita tem muito a ver com o nosso período histórico e social do que com uma patologia individual e específica.

A medicina, mais do que nunca, e paradoxalmente, ganhou hoje o status de uma ciência intocável, além do bem e do mal, acima de todas as divergências, para lá de uma reflexão histórica ou social. Os remédios encarnam o ideal tecnológico moderno: promovem o bem da vida e, neste sentido, deve-se investir rapidamente em pesquisas, deve-se inibir que a “ideologia” e a “política” cheguem perto desses avanços científicos psicofarmacológicos, ou seja, remédios que atuam diretamente sobre o psiquismo por meio de efeitos fisiológicos.

Contudo: será que a emergência desses psicofármacos nada tem a ver com nossa realidade histórica, social e econômica?

Pegando a última moda dos benzodiazepínicos, o Valium. Em 2003, durante a guerra do Iraque, era impossível encontrar, nas farmácias de Bagdá, um só comprimido de Valium, bem como remédios que provocam sonolência e antidepressivos. Exemplos como esse são inúmeros, a começar pelo primeiro grande avanço dos psicofármacos que foi acabar de vez com a estrutura das instituições totais como o hospício, dando margem para que surgissem os atuais CAPS (Centros de Atendimento Psicossocial). Sim. Aquela instituição que, junto com Deus, salvou a “velha do shopping”.

Está mais do que na hora de começar a se discutir essa nova tendência da indústria farmacêutica com os chamados “remédios da alma”. E também conectar a emergência desses medicamentos com a nossa realidade social e política. Afinal de contas, não é por acaso, nem por eficiência tecnológica médica tampouco, que o Rivotril é o segundo remédio mais vendido e os benzodiazepínicos sejam a classe de remédio mais vendida no mundo inteiro. Num mundo cada vez mais caracterizado pela morbidez política e pela falta de reflexão.

Sunday, May 10, 2009

Aforismo primeiro: a realteridade do pensamento.

O pensamento possui uma radicalidade fundamental. Força-se o pensamento a pensar na medida em que se mapeiam problemáticas. Estipula-se uma resposta que complementa pergunta quando se coloca em questão uma noção verdadeira, uma busca pelo verdadeiro. No entanto, um problema não complementa uma questão, ele simplesmente a destrói. Toda questão possui em si mesma a própria resposta. Porém, os problemas não existem no pensamento para serem solucionados, mas para serem pensados. Pensar os problemas significa criar, inventar, produzir. A tarefa da filosofia não é colocar os conceitos numa prateleira cujo objetivo seria fazer com que os aspirantes/pretendentes os retirassem no próprio ato de pensar. A filosofia é uma produção. Os conceitos são engendrados dos problemas. Enquanto as perguntas engravidam respostas que as complementam, os problemas engravidam conceitos que os pensam.

O que significa, portanto, pensar? Antes de mais nada, é preciso dizer o que nos impede de pensar. Cindindo o pensar em sujeito, objeto, ato, processo, forma e contexto ideológico, não se está pensando. Pensar não é uma ação de um sujeito cujo objetivo é o pensamento. Pensar não é uma virtude para poucos. Há vários mecanismos que nos impedem de pensar. Há várias máquinas cujo objetivo é somente esse: o platonismo e o positivismo. Há, no entanto, grandes máquinas de pensamento: a psicanálise e o marxismo. Máquinas que forçaram o pensamento a pensar sobre o desejo, sobre a história. Máquinas que produziram um corpo de desejo, atravessado por uma pulsão incessante, desvinculada do contexto instintivo (padronizado, estático, fixado em um objeto); produziram também um corpo da história, corpo-máquina de produção, corpo-fetiche do valor.

Pensar é, portanto, uma ação do corpo. Este não significa um substrato orgânico individual. Longe disso. Nunca se tem um corpo, sempre se constrói um corpo. Para aprender a andar de bicicleta é preciso não compreender como se carrega a bicicleta consigo, mas como se agencia um encontro corpo-bicicleta-pedalar. É quando a bicicleta está agenciada ao corpo, acoplada e não ao lado, que se aprende a produzir um devir-bicicleta. Dizer que pensar é uma ação do corpo significa afirmar que o pensar é uma potência. Pensar não se produz no estar parado. O pensar não é um agenciamento concentração-quietude-atenção. Pensar é um agenciamento encontro-afeto-produção.

Pensar não é algo que se dá naturalmente, não é algo que vem de cima. O pensamento é imanente. O pensamento é o real, na medida em que produz uma outra realidade. Não uma outra realidade acima ou abaixo, mais um real simplesmente. Intitular a filosofia de produtiva e não de representativa é produzir um real filosófico imanente. Os conceitos servem para maquinar o pensamento e não para adequá-lo ao pressuposto índice de verdade.

Tuesday, April 14, 2009

Memórias Paternais.




Escrevi esse texto depois de entrar em contato com um escrito intitulado “CAGA O CU MAIS ALVO MERDA PURA”, assinado por Jean Maldit. É um escrito de contos diversos. Segue abaixo minhas impressões sobre o primeiro conto.
Ah! O quadro é de F. Goya.


Memórias Paternais.

Incesto. Pai como representante da autoridade, como aquele que discursa sobre a moralidade e os bons costumes. Mãe como elo afetivo entre a angústia da manutenção de uma família de aparências e o porvir de uma doce vida até então bem desconhecida. Um filho que não se afirma enquanto sujeito por medo do pai, preferindo assim as asas da mãe. E uma irmã que transgrediu a ordem familiar, rachou definitivamente a solidez da tradição.

A família nuclear representou, durante dois séculos, o XVIII e o XIX, a concretização de um projeto de sociedade bem delimitado. Ela foi transformada num dispositivo de controle e, ao mesmo tempo, numa correia de transmissão de uma série de acontecimentos. Era ela, a família, a responsável por manter firme e forte uma dada conjuntura política. Porém toda ordem é perversa. O Pai, representante legítimo da Lei dentro do lar, é ao mesmo tempo o exemplo a ser seguido como a decepção total. O mesmo Pai que mantém a ordem da casa – financeira, por exemplo – é também o que se excede em jogos ou bebidas. É assim também o Estado que se por um lado mantém uma ordem minimamente aceitável, com um transporte coletivo em marcha ou com a disponibilização de uma condição mínima de funcionamento de escolas e hospitais, deixa à própria sorte um par de seres humanos, limitando-se a catalogá-los em órgãos específicos, como o Instituto Médico Legal.

A sociedade moderna funda-se assim numa espécie de rede bem delimitada, na qual a família figura como um dispositivo neutralizante da conjuntura sociopolítica, isto é, a família deve ser o microcosmo da sociedade, uma espécie de ponto cego da História, onde paradoxalmente serão reproduzidas as mais firmes raízes do social. É assim que a família nuclear moderna tem seu correlato nas instituições pedagógicas de correção, como o Hospício, a Escola e a Prisão. Como bem mostrou Sigmund Freud, a subjetividade humana pode ser compreendida a partir da realidade familiar, o mito do incesto e a revolta contra o Pai como elementos fundamentais do psiquismo humano.

Os grandes romancistas souberam que os conflitos familiares são, em verdade, conflitos coletivos, sociais, históricos, econômicos etc. Basta ler um Dostoiévski, um Machado de Assis ou um Kafka. A maior arma da literatura não é ser uma metáfora da realidade, mas ela própria desdobrar a realidade de uma outra forma, constituindo-se assim como um campo de intensidade bastante produtivo. A questão, portanto, não é se da ordem familiar e moderna podemos entender diretamente a subjetividade, como fez Freud. Mas, em nossa situação atual, como é que se atravessa, no sujeito, a dissolução da família e a derrocada do Poder do Pai?

Tem-se, então, como no conto, uma produção de subjetividade completamente alheia aos acontecimentos. Um filho que conhece o pai apenas pelo discurso da mãe. Um filho que em nenhum momento enfrenta o pai, prefere construir possíveis fugas. Um sujeito, logo, que se define muito mais pela esquiva do que pelo enfrentamento. Aparentemente no fim de tudo, opta, sem nenhum pesar, por abandonar o seu lar. Não procurou conversar a fundo com mãe e irmã, não procurou o Pai para enfrentá-lo, não se implicou nem com a sua própria história de vida.

Esse é o retrato de uma cultura do narcisismo, de uma sociedade espetacular. Onde não sofrer é o lema. Onde o mal-estar é sempre pontual, fácil de ser apagado. A dor é uma doença, cujos sintomas devem ser mecanicamente sanados. O protagonista poderia dizer: “Se não há como apagar as dores e os traumas sentidos pela atitude de meu pai, há como, ao menos, livrar a mim mesmo desse pesar. Salve-se quem puder! E eu posso!”.


Memórias Paternais é a história de um sujeito que narra apenas por considerar que seria mais adequado que ele o fizesse. Ele próprio não acha isso interessante nem mesmo necessário. Sente, talvez, que é preciso fazer para que ele não fique mal na fita. É preciso mostrar que ele de fato se revoltou contra a atitude do pai. O detalhe é que ele o fez internamente, sem modificar nada. É fácil esconder isso só dizendo que se revoltou. É como prestar contas a algo que ele nem próprio tem noção.

Numa sociedade em que vivemos, onde todas as instituições estão passando por mudanças fundamentais, dentre elas a família, é essa forma de subjetivação que emerge: um sujeito descompromissado consigo próprio e com sua vida. Curiosa ironia: na modernidade, estar fora-de-si era significante de internação psiquiátrica, o louco era sempre um sujeito fora de si mesmo; o dentro-de-si, por sua vez, era o modo operacional da sociabilidade. Hoje, na pós-modernidade?, o ‘fora-de-si’ é padrão de normalidade. Falar de si mesmo é como falar de um outro, é como ser um espectador da própria vida. Alienado do processo de constituição de si mesmo. O normal é estar ‘fora-de-si’, para lá do sofrimento subjetivo, para lá da implicação com sua própria vida. Para perto do livrar-se a si próprio. Do “vejam! Eu não sou detestável!”.

Tuesday, March 31, 2009

Elogio à Chinesa, de Godard.





Em 1967, alguns meses antes de um mês que marcaria profundamente o ideário comunista mundial portanto, Godard finaliza o seu “A Chinesa”. Num primeiro momento, os corpos acostumados com o cinema atual podem imaginar que o filme seja sobre uma chinesa em terras francesas numa época pré-revolta classista. Não estariam errados. Apenas equivocados por um deslocamento simples: a chinesa, aqui, não é uma pessoa, mas um devir. A Revolução Cultural Chinesa é um devir que atravessa a França em 1967. Dentre outros devires, como o cubano sob a figura de Che Guevara, o brasileiro sob o nome de Marighela, o soviético nas teses de Lênin etc. O cinema atual liquidou o devir, transformando-o a surpresa num esperado, algo como um pouco da crítica que Adorno faz das improvisações do Jazz, as quais já são mecanicamente prontas e aplicadas à uma melodia em específica.

Esse deslocamento foi o grande troféu herdado pelo declínio do sistema socialista real. Muito além de uma experiência socialista, o que indubitavelmente o não era mais depois de 1924, a União Soviética, junto com outras revoluções posteriores, simbolizavam muito mais que a revolução era possível, ou seja, que a vida poderia ser regida de acordo com a possibilidade de uma transformação radical da sociedade. Esse horizonte que tinha como norte visível a revolução é o que caracteriza toda a época moderna. O que estava em questão era sempre o devir, nunca as pessoas; sempre os acontecimentos, nunca os obstáculos. No entanto, a revolução em alguns casos não aconteceu e, em outros, fracassou. Ela não é mais um horizonte.

Quem mais ganhou com tal fracasso revolucionário foram as teorias psicológicas (humanismo existencialista), metapsicológicas (psicanálise) e comportamentais (behaviorismo e cognitiva). Essa mudança explica porque uma “filosofia sem rigor” e uma “medicina sem controle” (Canguilhem) cresceu tanto na segunda metade do século XX. No momento em que a revolução passa de uma realidade virtual para um devaneio individual, uma fuga interna como um mecanismo de defesa para fugir de si próprio e das obrigações com sua própria vida, os modos de subjetivação mudam radicalmente no seio da sociedade. Transformam-se, portanto, em máquinas de captura da subjetividade. A psicologia dobra a subjetividade sobre si própria, desloca o devir para a pessoa. Os fantasmas, sempre coletivos e sociais, passam a ser individuais e fantásticos[1].

A Chinesa, desta sorte, situa-se num espaço bastante singular. Um grupo enfurnado num apartamento em Paris durante as férias que planeja modificar a sociedade a partir da teoria marxista-leninista, mas que, ao fim e ao cabo, volta normalmente às aulas, expulsa um de seus membros e tem o outro suicidado em desespero, pode ser altamente criticado e, o que é pior, enclausurado na máquina psiquiátrica sob o nome de diversas patologias. Ao mesmo tempo, no entanto, o grupo consegue realizar uma crítica de Foucault, colocando-o no bojo do estruturalismo que era, por sua vez, o reflexo da decadência da inteligência francesa revolucionária. Dentro do apartamento com algumas pessoas, é incômodo que não existam problemas pessoais, a não ser quando servem a outros interesses. Atualmente, é impossível que os problemas pessoais não existam em qualquer lugar, sobretudo nas movimentações sociais. Esse é o saldo de nosso período dito pós-moderno: os atuais modos de subjetivação transformaram o indivíduo e seus sofrimentos numa materialidade indestrutível, obstaculizando de vez qualquer possibilidade emancipatória.

O grande mérito da Chinesa é fazer o telespectador participar desse devir-revolucionário.

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[1] Em Anti-Édipo, Deleuze e Guattari criticam a máquina de captura lacaniana em 1960 e 70. Robert Castel, em O Psicanalismo, estende a crítica ao aparelho psicanalítico e à clínica. São dois livros que, para além de uma crítica centrada somente na psicanálise, colocam profundamente em questão o espaço psicoterápico (clínico). Denunciam, portanto, que o espaço esquadrinhado da clínica psicoterápica não é neutro, nem pode ser politicamente suspenso no ar. O espaço clínico é, asism, atravessado de fio a pavio pelos fluxos sociais.

Sunday, March 22, 2009

Rumo a uma Greve Geral ?

O título pode parecer descabido a qualquer morador aracajuano, acostumado com a passividade reinante de nossa cidade. Para outros, pode parecer pura bravata. Nem um nem outro. Por partes, portanto.

Bombeiros[1]. Professores[2]. Médicos[3]. Rodoviários[4]. Categorias em greve, diria um discurso eufemista. Sejamos claros: uma parte significativa da classe operária decretou, ao mesmo tempo, estado de greve. São setores que preenchem, cada um a seu modo, preocupações centrais do Estado: transporte, educação, saúde e segurança. Mas, o que isso significa? Que estamos num processo de revolução? Que se aproxima de nós um período inédito? Não é para tanto. Não obstante, é inegável que há algo acontecendo.

A crise, a qual tentei analisar objetivamente há alguns meses atrás neste blog, saiu do plano abstrato e onipresente, também ilógico, para entrar nas práticas reais e cotidianas. Estabelece-se uma crise quando não há o que fazer: trabalhadores lutam por melhorias de condições de vida, através de aumento no salário, empresários não cedem a tais demandas e o Estado, por sua vez, faz vistas grossas.

Felizmente ou infelizmente, não há nenhuma vanguarda desse movimento. Nenhum partido conseguiu, até então, hegemonizar essas lutas, fazê-las entrar no escopo do que seriam lutas emancipatórias do sistema capitalistas, uma vez que são demandas sem as quais não há esse sistema societário baseado no capital. Ora, é possível hoje realizar tal tarefa vanguardista?

A situação é inovadora. Inquietante. Faz pensar. E o que é mais valioso: faz agir. O que podemos esperar dos próximos dias? Mais trabalhadores aderirão à greve? A luta de classes mais viva do que nunca: será que o professor colocará falta no aluno ou que não poderá ir à aula no dia que não tiver transporte ou dará o conteúdo normalmente para os que lá estiverem? Essas lutas atravessam as instituições cruelmente. Não há como escapar. Em breve, quem sabe, atravessará a vida e se transfomará em biopolítica. Aguardemos. Somar-se-á, já as reivindicações citadas, o racionamento da água.

Temporariamente sem água, transporte, educação e uma parte da segurança. O que restará ainda àqueles que pensam em ir às ruas?

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[1] http://absmse.blogspot.com/2009/03/negociacao-entre-pm-e-ssp-continua.htmlhttp://www.pm.se.gov.br/pm.php?var=1233781540http://www.assomise.com.br/modules/news/article.php?storyid=9http://www.correiodesergipe.com/lernoticia.php?noticia=31517
[2] http://www.infonet.com.br/educacao/ler.asp?id=83255&titulo=educacao
http://www.infonet.com.br/educacao/ler.asp?id=83384&titulo=educacao
[3] http://www.jornaldacidade.net/2008/noticia.php?id=27013&hoje=2009-02-26%2010:53:05
http://www.infonet.com.br/noticias/ler.asp?id=70494&titulo=saude
[4] http://www.infonet.com.br/cidade/ler.asp?id=83727&titulo=cidade

Monday, February 02, 2009

A Hiper-banalidade do Mal: um olhar sobre as sandices da pós-modernidade.

Hannah Arendt, uma das maiores pensadoras do século XX, conclui, após a escrita de um livro, que o Mal não é o que se pensa sobre ele mas a derradeira face do cotidiano pacificado. Na década de 1960, quando um “carrasco nazista” foi levado à tribunal, muitos esperavam uma mente inescrupulosa, calculista e fria. Em contrapartida, a visão real é a de um funcionário medíocre incapaz de pensar seus próprios atos. A violência transformada em automática e condição do comum histórico é a face do Mal no século XX. No entanto, estamos um século depois, ainda que em seu umbral, o que, para nós, a violência? Ela continua banal? Não. Ela é hiper-banal.

Na nona edição do Big Brother Brasil, houve um evento lá bastante singular. Três participantes foram postos no chamado “Quarto Branco”. Uma prova cuja genealogia pode ser encontrada nos manuais de tortura da CIA que servia de guia metodológico-prático nas épocas da ditadura militar. A privação dos sentidos era sua entrada fundamental. Nesse tal Quarto Branco as pessoas eram privadas da luz do sol, o que pode levar facilmente a qualquer um a relativa perda de contato com o ambiente. O Mal passou de banal para hiper-banal, para divertimento, entretenimento.

Friday, January 09, 2009

Mantega e a chave para compreensão da crise econômica.



O atual Ministro de Estado da Fazenda, Guido Mantega, acabou de fazer um pronunciado que nos revela claramente uma chave para compreender a atual crise econômica mundial. A crítica marxista geralmente subestima o adversário e escorrega fazendo análises simplistas e muitas vezes óbvias demais. Entender, em primeiro lugar, que o adversário, ou os donos do poder, como se dizia na ditadura militar, entende mais sobre a conjuntura econômica do que os subordinados é uma boa iniciativa metodológica para não cair em ingenuísmos superficiais.

Numa negociação entre Banco do Brasil e o Banco Votorantim, Mantega afirmou categoricamente que não se trata de uma nacionalização, mas de uma parceria onde ambos os lado saem ganhando, embora ele, em seu discurso objetivo e prático, tenha apenas elencados pontos positivos para o banco privado. Ora, Mantega não está errado. A nova crise mundial não resultou numa nacionalização dos bancos. Os óculos marxistas estão turvos, precisam ser ajustados. Essa crise está longe de ser o começo do fim do capitalismo ou uma retroação histórica, um retrocesso da história econômica do capital. Ela é, sim, a abertura de uma nova realidade, a consolidação da ordem neoliberal e o primeiro passo fundamental para a entrada no Império.

Separarei o texto em três pontos para elucidar o que quero dizer. O primeiro ponto será uma distinção entre liberalismo e neoliberalismo, que tem como objetivo desmistificar a idéia de que o neoliberalismo é uma releitura simplória com modificações pontuais do liberalismo. O segundo ponto é mostrar como a intervenção keynesiana segue uma direção diametralmente oposta a intervenção neoliberal. O terceiro é mostrar como essa crise econômica tem na verdade seu maior fruto na imobilização política mundial. O quarto é uma conclusão mínima.

Primeiro ponto, ou a distinção entre liberalismo e neoliberalismo.

Grosso modo, o liberalismo deve ser entendido com a defesa de um espaço social não controlado pelo Estado. Ou seja, o liberalismo é a defesa de que existe um espaço no interior da sociedade que não sofre ação interventiva estatal. Esse espaço, não por acaso, economicamente se chama mercado; filosoficamente se chama indivíduo; ideologicamente se chama liberdade. Portanto, a tríade mercado-indivíduo-liberdade são os pilares fundamentais do liberalismo. Para qualquer liberal, é preciso deixar o mercado se autofuncionar, autogerar, autocriar. O liberalismo defende uma autogênese do mercado. Daí porque a não-intervenção estatal constitui, para o liberalismo, uma necessidade metodológica prático-econômica. O mercado só pode funcionar quando nada o atrapalha, quando ele é deixado à própria sorte. Existem mecanismos mercantis que só funcionam por si próprios, sem intermediários. O liberalismo diz: não mexer no mercado é a melhor forma de garantir uma sociedade capitalista onde a concorrência se transforma na materialização da liberdade humana. Isso é liberalismo.

Por sua vez, o neoliberalismo, grosso modo, advoga uma outra coisa: é preciso saber mexer no mercado para garantir que este funcione da melhor forma possível. Ora, há uma mudança substancial aqui. O Estado passa de um monstro opressor para um mal necessário à ordem do mercado. No neoliberalismo, o que há é a proposta de usar o próprio Estado como financiador e facilitador da ordem capitalista. Evidentemente que há uma fobia estatal tanto no liberalismo quanto no neoliberalismo. Mas enquanto o primeiro temia o Estado e lutava para expulsá-lo do campo mercardológico, o segundo tem uma fobia de outra ordem: ele quer se apossar do Estado, controlá-lo e fazê-lo servir a seus próprios fins. Temos o seguinte esquema explicativo de distinção:






O liberalismo constitui-se, portanto, como uma liberalização d’um espaço vazio destinado à prática mercadológica cuja dinâmica imanente é a de uma dispersão absurda/caótica que paradoxalmente desemboca numa harmonia socialmente útil. O símbolo disso é a “mão invisível” de Adam Smith, aquela que força o produtor de mercadorias de uma forma obscura e quase mística. Já o neoliberalismo não é uma simples renovação do liberalismo. Não é somente isso. O neoliberalismo marca uma transição fundamental e uma diferença clara com relação ao liberalismo. Essa transição se refere, dentre outros fatores, à relação com o Estado: ele sai de um aparato a ser excluído para um aparato a ser incluído de forma determinada e controlada.

Segundo ponto, ou Keynes versus Friedman. Ou como Mantega dá as chaves para a compreensão da crise.

John Maynard Keynes é um dos grandes responsáveis pela política do Estado de Bem-Estar Social. Dispenso aqui maiores explicações para não correr o risco de sair do escopo proposto. Ou seja, não vou me aprofundar no que representou esse Estado mas sim no que ele trouxe de inovação e a partir daí mostrar que ele é extremamente diferente do Estado proposto pelo neoliberalismo. Contudo, dá para dizer o que é fundamental: O Estado benfeitor foi a solução encontrada pelos Estados Unidos para a Grande Depressão de 1929.

Keynes argumentava que o Estado deve intervir na economia de mercado com o fim de diminuir o emprego involuntário e aumentar a produção. Assim sendo, o objetivo da intervenção estatal é regularizar o ciclo econômico e evitar assim flutuações dramáticas no processo de acumulação do capital. Portanto, Keynes dá uma volta de parafuso: o que é incontrolável no mercado se transforma em canalizável para o Estado. Dito de outra forma, o Estado é um aparelho que tomará partido no jogo de mercado mas o fará para seu próprio benefício através de regulamentações. O que Keynes provoca é uma outra formação possível do liberalismo: o mercado deve permanecer intocável sempre, menos quando ele começa a prejudicar a formação social. Neste momento, logo, o Estado deve tomar partido da sociedade e, ao mesmo tempo, dar espaço para o mercado funcionar da melhor forma possível. Quando o Estado keynesiano toma partido numa grande empresa multinacional ele o faz garantindo que os ganhos dessa empresa voltarão para a própria sociedade, essa é a volta no parafuso de Keynes.

Para Milton Friedman, o guru dos neoliberais, o Cristo deles, a relação é bem outra. O mercado é um elemento discricionário de sucesso. A questão não é a legitimidade do mercado, mas o sucesso das trocas monetárias. Para Friedman o Estado deve garantir o funcionamento ideal do mercado, deve possibilitar que o mercado funcione em todos os lugares, em todas as esferas. Daí as desregulamentações dos direitos dos trabalhadores. A idéia de que a saúde e educação devem ser abertas para a iniciativa privada. O Estado é idolatrado pelos neoliberais como mecanismo garantidor do avanço do mercado em todas as esferas da sociedade. O mercado não é mais aquilo que funciona num espaço determinado. Ele é um elemento de verdade no jogo de sucesso e algo que deve controlar toda a sociedade. Exemplo: a queda de Allende, em 11 de Setembro de 1973, foi motivada pelo suposto não-sucesso da economia socialista: falta de alimentos básicos, transporte falho etc. Decerto foram boicotes organizados, no entanto, para além desse fato inconteste, o que aparece é o funcionamento desses elementos como a forma de deixar claro que o sucesso de um País depende exclusivamente de seu sucesso econômico. Assim sendo, a intervenção neoliberal abre espaço para o mercado, enquanto a intervenção keynesiana fecha o espaço de mercado, fá-lo voltar, dobrar-se sobre si mesmo para fora, isto é, para a sociedade. Em Keynes há um retorno social. Em Friedman há novos anéis soltos para a expansão cada vez mais ilimitada do mercado.

Quando Mantega diz que é leviano afirmar que as ações dessa crise são estatizações/nacionalizações dos Bancos ele está mais do que certo. Se fossem nacionalizações teríamos ganhos retornados à sociedade. Não quero negar que há ganhos, inibe-se demissões em massa, por exemplo. Mas somente algumas. Outras tantas ocorrem por aí. Quando o Banco Nacional Americano salvou alguns bancos, estes bancos foram escolhidos à dedo e foram feitos como forma de usar o Estado para liberar ainda mais o espaço de mercado. Ou seja, os montes de dinheiros não estavam guardados, eles foram subitamente criados não para fazer retornar de alguma forma para sociedade, mas para injetar novo ânimo e realidade à expansão especulativa do capital.

Terceiro ponto, ou a crise como corrupção de subjetividade.

Essa crise longe de fazer retornar a intervenção estatal keynesiana, inaugura um período histórico inédito na dominação capitalista. Assim como no Império Toni Negri e Michael Hardt colocam a criação da ONU e a expansão do New Deal como primeiros passos para a consolidação de uma ordem que passou para além do imperialismo, podemos entender a constituição dessa crise como um novo patamar da história capitalista. Uma vez que ela não significa um retrocesso, mas uma ação completamente nova. Não em sua forma, mas em sua atuação.

A história do neoliberalismo, da Escola de Chicago, não é uma história de tantas vitórias em seu território nem a nível mundial. Foi só bem tarde que o neoliberalismo retornou aos Estados Unidos. Embora tenha tido ganhos significativos, como no Chile de Pinochet. A nível mundial, o neoliberalismo nunca tinha vencido como agora. O que essa crise demonstrou é a completa inutilidade do Estado como representante de alguma coletividade. Essa crise demonstrou a soberania neoliberal. Ela mostrou que não há contraposição suficiente para barrar o processo que está em marcha, a saber, a subjugação da multidão de forma totalitária pelas transnacionais e pela ordem vigente.

A corrupção de subjetividade é a anulação da oposição. Essa crise demonstrou como o Estado e o poder biopolítico submete a vida ao mercado. Ele cria a partir do nada, imprime mais-dinheiro, como manutenção de uma ordem especulativa abstrata coercitiva. Submete as forças potencialmente ativas à nulidade imóbil. Corrompe as formas de subjetividade revolucionária. Faz com que a multidão se sinta impotente e desnecessária. Corrompe a subjetividade transformando criação em conformação parasita.

Quarto e último ponto, ou os desentendimentos da atualidade.

Essa última crise trás, portanto, novos elementos. Enumerando:

1) Sinaliza a vitória quase que triunfal do neoliberalismo, fazendo do Estado e do dinheiro modos de operação do mercado;


2) Corrompe a subjetividade revolucionária transformando as potências de emancipação em parasitas conformados com a ordem dominante;


3) Por meio de grandes mídias dissemina o medo e o pavor no mundo inibindo qualquer tentativa de demonstração;


4) Põe em xeque as leituras mais antigas do marxismo que consideram erroneamente que essa crise é um retorno às origens do Estado de Bem-Estar social e não a porta aberta para um novo período da dominação capitalista.

Dessa forma, é preciso olhar para os novos acontecimentos, como a Guerra de Gaza, como uma conseqüência política da crise econômica. Assim como os dinheiros foram impressos sem nenhuma justificativa plausível a não ser o fim em si mesmo na especulação financeira, as bombas de Israel em sua quantidade absurda e mortífera apenas mostram que a guerra também se transformou como justificativa justificada em si mesma. Novas modificações na ordem mundial ainda virão e em breve. Resta saber, contudo, o que se tem para contrapor. Porém isso não é algo que se sabe, é algo que se faz.

Saturday, January 03, 2009

O fatídico fim da ONU.










Marx certa vez disse, corrigindo um outro filósofo, que a história se repete, mas a primeira vez, sim, como tragédia, já a segunda, por sua vez, como farsa. Talvez não haja melhor ponto de vista introdutório para entender o que se passa no Oriente Médio e a ofensiva israelense. Uma vez que os judeus passaram de oprimidos por uma máquina de guerra estatal totalitária [nazismo] para opressores que usam uma máquina tecnológica total-democrática de uma forma bem parecida. Embora essa mudança seja mais uma farsa do que uma tragédia. Os motivos do nazismo eram trágicos: a produção e constituição de uma nação pura. As motivações de Israel são uma farsa: demonstração do poder bélico diante de uma resistência frágil e uma soberba totalitária com relação a qualquer justificação que não seja a própria guerra.

Filho legítimo da fundação da ONU, o Estado de Israel fecha um ciclo. Surgido como resposta ao suposto holocausto e como movimento sionista [estabelecimento de uma comunidade autônoma judaica], o Estado policial de Israel trata hoje de pôr um fim na ONU, cometendo um parricídio sem dó nem piedade. Abrindo uma página nebulosa e desconhecida da história. Não é à toa que tenha vindo logo após uma crise que nem os mais estudiosos marxistas ou economistas conseguiram ler, quando muito voltaram aos velhos óculos das décadas de 1920 e 30.

A ONU nasce como um poder transnacional/supranacional, acima das nações e além delas, com o objetivo de promover a paz perpétua mundial, antigo objetivo que fundou a Europa. Esse, ao menos, era o objetivo expresso. Por debaixo do pano, sempre houve sangue derramado. A ONU sempre esteve em situação de xeque e, como um jogador que já antevê sua derrota, escolheu perder peças com o único fim de adiar um acontecimento inevitável. A atual ofensiva de Israel, sem nenhum motivo subjacente sólido, tendo como objetivo instituições democráticas do Hamas, objetivando claramente uma dissolução material da democracia frágil daquela região, é o xeque-mate na ONU.

O que virá agora é uma grande incógnita. É uma pena que se tenha perdido qualquer espaço de conexão das transformações históricas, o devir dos acontecimentos, e as conversas, os debates.