Arte-vida, arte-vômito: deglutição do real como totalidade. (Mário Jorge)

Sunday, May 31, 2009

Rivotril: segundo remédio mais vendido no Brasil.

Você conhece alguém que toma Rivotril? Esse é o segundo remédio mais vendido no Brasil. Rivotril é o nome comercial de um benzodiazepínico chamado clonazepam, cujo objetivo é ser um antiepiléptico e um miorrelaxante. Em bom português, é um calmante que está na moda. Em primeiro lugar era um anticonvulsivo, sedativo, tranqüilizante etc. Hoje em dia é uma espécie de [i]coringa farmacológico[/i] cuja receita tem muito a ver com o nosso período histórico e social do que com uma patologia individual e específica.

A medicina, mais do que nunca, e paradoxalmente, ganhou hoje o status de uma ciência intocável, além do bem e do mal, acima de todas as divergências, para lá de uma reflexão histórica ou social. Os remédios encarnam o ideal tecnológico moderno: promovem o bem da vida e, neste sentido, deve-se investir rapidamente em pesquisas, deve-se inibir que a “ideologia” e a “política” cheguem perto desses avanços científicos psicofarmacológicos, ou seja, remédios que atuam diretamente sobre o psiquismo por meio de efeitos fisiológicos.

Contudo: será que a emergência desses psicofármacos nada tem a ver com nossa realidade histórica, social e econômica?

Pegando a última moda dos benzodiazepínicos, o Valium. Em 2003, durante a guerra do Iraque, era impossível encontrar, nas farmácias de Bagdá, um só comprimido de Valium, bem como remédios que provocam sonolência e antidepressivos. Exemplos como esse são inúmeros, a começar pelo primeiro grande avanço dos psicofármacos que foi acabar de vez com a estrutura das instituições totais como o hospício, dando margem para que surgissem os atuais CAPS (Centros de Atendimento Psicossocial). Sim. Aquela instituição que, junto com Deus, salvou a “velha do shopping”.

Está mais do que na hora de começar a se discutir essa nova tendência da indústria farmacêutica com os chamados “remédios da alma”. E também conectar a emergência desses medicamentos com a nossa realidade social e política. Afinal de contas, não é por acaso, nem por eficiência tecnológica médica tampouco, que o Rivotril é o segundo remédio mais vendido e os benzodiazepínicos sejam a classe de remédio mais vendida no mundo inteiro. Num mundo cada vez mais caracterizado pela morbidez política e pela falta de reflexão.

Sunday, May 10, 2009

Aforismo primeiro: a realteridade do pensamento.

O pensamento possui uma radicalidade fundamental. Força-se o pensamento a pensar na medida em que se mapeiam problemáticas. Estipula-se uma resposta que complementa pergunta quando se coloca em questão uma noção verdadeira, uma busca pelo verdadeiro. No entanto, um problema não complementa uma questão, ele simplesmente a destrói. Toda questão possui em si mesma a própria resposta. Porém, os problemas não existem no pensamento para serem solucionados, mas para serem pensados. Pensar os problemas significa criar, inventar, produzir. A tarefa da filosofia não é colocar os conceitos numa prateleira cujo objetivo seria fazer com que os aspirantes/pretendentes os retirassem no próprio ato de pensar. A filosofia é uma produção. Os conceitos são engendrados dos problemas. Enquanto as perguntas engravidam respostas que as complementam, os problemas engravidam conceitos que os pensam.

O que significa, portanto, pensar? Antes de mais nada, é preciso dizer o que nos impede de pensar. Cindindo o pensar em sujeito, objeto, ato, processo, forma e contexto ideológico, não se está pensando. Pensar não é uma ação de um sujeito cujo objetivo é o pensamento. Pensar não é uma virtude para poucos. Há vários mecanismos que nos impedem de pensar. Há várias máquinas cujo objetivo é somente esse: o platonismo e o positivismo. Há, no entanto, grandes máquinas de pensamento: a psicanálise e o marxismo. Máquinas que forçaram o pensamento a pensar sobre o desejo, sobre a história. Máquinas que produziram um corpo de desejo, atravessado por uma pulsão incessante, desvinculada do contexto instintivo (padronizado, estático, fixado em um objeto); produziram também um corpo da história, corpo-máquina de produção, corpo-fetiche do valor.

Pensar é, portanto, uma ação do corpo. Este não significa um substrato orgânico individual. Longe disso. Nunca se tem um corpo, sempre se constrói um corpo. Para aprender a andar de bicicleta é preciso não compreender como se carrega a bicicleta consigo, mas como se agencia um encontro corpo-bicicleta-pedalar. É quando a bicicleta está agenciada ao corpo, acoplada e não ao lado, que se aprende a produzir um devir-bicicleta. Dizer que pensar é uma ação do corpo significa afirmar que o pensar é uma potência. Pensar não se produz no estar parado. O pensar não é um agenciamento concentração-quietude-atenção. Pensar é um agenciamento encontro-afeto-produção.

Pensar não é algo que se dá naturalmente, não é algo que vem de cima. O pensamento é imanente. O pensamento é o real, na medida em que produz uma outra realidade. Não uma outra realidade acima ou abaixo, mais um real simplesmente. Intitular a filosofia de produtiva e não de representativa é produzir um real filosófico imanente. Os conceitos servem para maquinar o pensamento e não para adequá-lo ao pressuposto índice de verdade.