Arte-vida, arte-vômito: deglutição do real como totalidade. (Mário Jorge)

Friday, October 09, 2009

As metamorfoses da relação (ou luta) homem x máquina.



I.




Há uma cena bastante conhecida em Tempos Modernos (1936), de Chaplin, onde Carlitos, o protagonista maltrapilho, símbolo do operário-massa (na conceituação de Antonio Negri) – aquele que era produzido pelo paradigma taylorista-fordista – adentra na gigantesca Indústria. A cena provoca no telespectador a materialização cinematográfica perfeita do conceito de alienação marxista (posteriormente entendida, n’O Capital, como fetichismo da mercadoria) onde, grosso modo, há um contramovimento alienante, isto é, em vez de aquilo que é produzido servir aos interesses do produtor, acontece efetivamente o contrário: o trabalhador encontra-se não só alheio ao seu produto de trabalho como também submetido a ele (daí a escolha do termo alienação – reificação/coisificação, objetificação). A cena de Chaplin alude, portanto, a essa dialética da alienação onde em vez de o homem utilizar uma ferramenta para pôr em marcha um processo produtivo maquinal a seu favor é ele próprio que se transforma numa mera peça de engrenagem desse Mecanismo.

Quando vemos a inesperada harmonia de Carlitos dentro da Máquina (contrastando com sua quase ontológica falta de destreza e seus movimentos desastrados) estamos presenciando uma época onde a Máquina e o Homem estavam em situação de paridade. Se o processo produtivo colocava a Máquina como proponderante nessa relação, tudo indicava que o oposto poderia ser feito. A hipótese de Marx era de que os operários poderiam se unir e tomar pelas suas próprias mãos a produção de mercadorias. Ademais, o próprio Marx, enxergando essa relação dual entre Homem e Máquina, elogiou, em textos panfletários como o Manifesto do Partido Comunista, esse avanço das forças produtivas, encarando-as como quase um processo neutro, natural, objetivo.

II.



Os teóricos da Escola de Frankfurt (sobretudo Adorno, Horkheimer e Marcuse) salientaram que a relação entre Homem e Máquina é uma relação de dominação. Na esteira do conceito de técnica heideggeriano, viram um núcleo de submissão na própria reflexão racional. O acontecimento histórico que deu a verdade a esse tipo de formulação que visa colocar inevitavelmente o Homem como submetido à Máquina foi o conhecido episódio onde um chinês pára quatro tanques enfileirados usando unicamente sua presença corporal e perseverança propriamente humana.

Walter Benjamin, um frankfurtiano-limítrofe, apreendeu que o movimento que consolida a sociedade totalmente administrada (Adorno) pautada na dessublimação repressiva (Marcuse) resguarda uma espécie de “redenção”, uma explosão do continuum histórico, um salto do tigre. Embora a feição do mundo do século XX seja comparável a de uma gigante bota pressionando a face humana ao chão (metáfora de George Orwell), Benjamin defende que há uma possibilidade de redenção, noção retirada de assalto do judaísmo. Embora haja esse momento de resistência mágica, não devemos nos deixar enganar: o mesmo homem que parou os quatro tanques foi, posteriormente, assassinado pelo regime chinês.

Quem ganhou, durante os séculos XIX e XX, não foi a Máquina sobre o Homem, mas a Produção sobre ambos. O processo Produtivo modificou a Máquina e o Homem. Destruiu máquinas antigas, tornou obsoletas tantas outras, jogou homens na barbárie e miséria. A Produção que dominou em ambos os séculos. Tanto o Homem quanto a Máquina estavam a ela submetidas.

III.

O sociólogo francês Jean Baudrillard adorava brincar com a Produção. Falava, dessa vez seriamente, que a Produção tinha acabado ao passo que a Simulação tomou conta de todo o processo social. A afirmação é complicada e, para dificultar ainda mais o meio-campo, pós-moderna. Contudo, um terceiro momento da relação entre Homem x Máquina parece nos esclarecer.

Em São Paulo, o MST destruiu 7 mil pés de laranjas. E, para isso, usaram uma máquina, um tipo de trator. A cena é esquisita. Uma Máquina contra a Produção. Uma Máquina anti-produtiva. Um uso da Máquina a favor do Homem e contra a Produção. Ponto final?