Arte-vida, arte-vômito: deglutição do real como totalidade. (Mário Jorge)

Thursday, May 22, 2008

Reich e Marcuse: a repressão sexual e docilização.

A princípio, escrevi esse texto quando havia uma comunidade criada por alguns amigos sobre Foucault. Resolvi não o mudar em nada. Fica aí uma breve exposição sobre um assunto que considero bastante importante.

Reich e Marcuse: a repressão sexual e docilização.

Antes de iniciar, gostaria de fazer uma demarcação. Em debates não há certo e errado. Exceto naqueles campos mais distante de nós: posivitismo, por exemplo. O erro aí não reside exatamente no cálculo, mas na análise histórica. Portanto, entre Foucault, Reich e Marcuse o que há são tentativas de revolução através de problemas que surgiram com a psicanálise, a saber, repressão, sexualidade, ego, id, superego e inconsciente. Separarei minha fala nestes pontos:

1) Reich

1.1. O freudo-marxismo.

1.2. Teoria da genitalidade.

2) Marcuse:

2.1. Crítica do freudismo e/ou impasses da psicanálise.

2.2. A historicização da psicanálise.

3) Repressão e conformismo: de Reich a Marcuse.

4) Conclusão: A recusa da hipótese da repressão por Foucault.

1) Reich

1.1 O freudo-marxismo

Pode-se dizer que as raízes do freudo-marxismo estão na revolução bolchevique de 1917 e na ascensão de Hitler em 1933. Esses dois eventos históricos põem em questão o subjetivo na história. Uma vez que a revolução proletária se deu num país onde a classe operária praticamente não existia e a chegada de Hitler ao poder sucedeu um período de acumulação de forças comunistas. Basta dizer, por exemplo, que o Partido Social-Democrata Alemão figurou durante muito tempo como o maior partido da Europa. Várias questões aí se colocaram, por exemplo, saber por que os operários se tinham deixado iludir pela socialdemocracia ou, melhor dizendo, por que a contrapropaganda marxista era ineficaz. Como responder, ancorado no marxismo tradicional, à questão da força da ideologia sob a objetiva pauperização?

No período pós-revolucionário, na URSS, levou-se a sério a tarefa de produzir um homem novo e de criar condições para uma nova vida. Começaram, então, a tradução de algumas obras de Freud. Coincidentemente, após a morte de Lênin as coisas começaram a piorar. Por um lado, o marxismo transformou-se em ideologia de Estado, em marxismo soviético (expressão de Marcuse). Por outro lado, a psicanálise foi substituída pela reflexologia do psicólogo soviético Pavlov. Essa psicologia consistia no estudo de condicionamento operante (estímulo-resposta). Pavlov treinou um cachorro a tal ponto que ao ouvir um sino que ele tocava começava a salivar. Para a época, foi um grande avanço psicológico, por mais que hoje tendamos a considerar isso como mera fisiologia. O importante neste começo é entender que como classe no poder a burocracia soviética transformou o marxismo em ideologia legitimadora (em vez de teoria crítica) e a psicanálise como mera fraseologia burguesa, excluindo-a portanto de qualquer estudo. O entendimento disso é importante porque os esforços de Reich e Marcuse (principalmente) são para recuperar o conteúdo positivo da psicanálise e o resgate da teoria crítica materialista.

O freudo-marxismo é mercado pela relativização da psicanálise pelo marxismo, relativização do marxismo pela psicanálise, relativização do marxismo pelo próprio marxismo e da psicanálise pela própria psicanálise. Um período que vai de 1920 à metade da década de 30 faz as mais variadas combinações porque na época o importante era utilizar uma arma crítica como ferramenta capaz de desmistificar a ideologia e dissolver seus efeitos sobre as consciências. Um exemplo disso são os psicanalistas Bernfeld e Fenichel.

O importante, para eles, em uma das várias problemáticas que eles levantaram, não era saber porque alguns deliquentes roubam, mas porque a maioria da população não rouba. Para tanto, a existência da polícia e dos tribunais é apenas parte da resposta. Porque alguns “cidadãos honestos” também não roubariam se a repressão policial não existisse. A razão disso é que os aparelhos ideológicos modificaram o sistema psíquico do indivíduo. E essa modificação foi mais profunda na consciência proletária (o motivo disso é um outro debate). A classe dominante disporia, então, de um arsenal psíquico que paralisaria a mobilização de forças contrárias.

Com esse exemplo quero fazer significar a preocupação da época. O problema colocado era de entender de que forma os indivíduos se submetiam pacificamente à ordem ideológica. Entendamos por ideologia simplesmente a mistificação das possibilidades de libertação e a docilização dos indivíduos frente ao seu poder. O primeiro passo para Reich foi a recusa do pessimismo de Freud. Vejamos.

1.2 Teoria da genitalidade.

A teoria da genitalidade se baseia no esquema freudiano original que define a neurose como resultado de um conflito entre a libido e uma instância moral repressora. O Ego, enfraquecido, não tem nem coragem de dizer não à libido, nem a força para contê-la eficazmente. A formação do sistema neurótico, portanto, representa um compromisso insatisfatório para as duas instâncias. A esse compromisso insatisfatório chama-se conflito neurótico; ou seja, um conflito entre impulsos, isto é, entre o id e o ego. Como assim? Entre aquilo que empurra para a satisfação (liberalização da angústia) e aquilo que empurra para sua proibição (não fazer). Em teoria, segundo a psicanálise, todos nós aqui somos neuróticos. Logo, admitindo-se isso como verdadeiro, vou dar um exemplo besta para ilustrar o que é neurose e conflito. Vamos supor que um aluno, chamado Joãozinho, não quer fazer uma prova amanhã porque não estudou nada. Experimenta ansiedade e medo perante esse fato. Ele sabe que o professor é carrasco. Ele não sabe o que fazer: se vai na cara-de-pau fazer a prova ou se falta e não dá nenhuma explicação. Nenhuma dessas tendências vai predominar definitivamente sem que haja um prejuízo psíquico. O que pode acontecer é o neurótico optar por uma das duas. Qualquer que seja será estabelecido um conflito: por que não estudei? Por que não fui fazer a prova? Por que faltei? Será eu um mau aluno? Ou aquele professor um zé mané? Essas perguntas surgem como mecanismos de defesa do ego, ou seja, para garantir sua integridade (sua certeza sobre o mundo externo e sobre si mesmo) e para sistematizar a angústia (torná-la suportável ao ego). A neurose é o conjunto disso. Exemplo simples demais mas que acho que dá para dar uma esclarecida.

Continuando. Para Freud a neurose resulta de um conflito entre a libido (a satisfação) e o Ego (a sistematização dessa satisfação), este representando as pulsões de auto-conservação. Deixe-me fazer uma outra digressão para entendermos o que está em jogo para a psicanálise. O mito de Prometeu. Prometeu foi o responsável pelo início da civilização humana. Foi ele quem roubou o fogo dos deuses e deu aos homens. Foi ele o responsável pelas artes e conhecimentos que os homens possuem. Considerado culpado por Júpiter e sob pena de renunciar seu amor pela Humanidade, Prometeu foi preso a uma rocha totalmente imobilizado onde um abutre incessantemente comeria seu fígado (órgão capaz de se reconstituir). Eternamente Prometeu deveria pagar pela sua ousadia. Freud era um adorador de tragédias e as considerava como representações arquetípicas da condição humana. Assim que ele postulou o complexo de Édipo. Voltando ao Prometeu, Freud entendeu também assim o contato em civilização. Para ele a neurose é o preço que se paga para sair da barbárie. Cada homem deve abdicar de seu desejo incessante de se satisfazer para que a sociedade progrida. A esse desejo incessante chama-se princípio de prazer, que é o que domina o inconsciente. Não há proibição nem negação. Ao progresso da sociedade se chama princípio de realidade. Ali onde os homens vão passar a se constituir como sociedade será onde haverá abdicação individual, em uma palavra, repressão. Veremos isso em Marcuse, mais tarde. Por ora, deve-se entender que da mesma forma que Prometeu ficou acorrentado para sempre no rochedo num sofrimento eterno, para Freud os homens ficarão para sempre presos no Ego e no conflito neurótico entre o id, que significa grosso modo, o princípio de prazer, e o superego, que a grosso modo, é o princípio de realidade. O Ego funciona, grosso modo, como o negociador dessa relação. A neurose, portanto, funda o ser enquanto tal.

Reich concordou com quase tudo sobre a neurose que Freud disse. Porém ele sacou o seguinte. Tudo bem que a neurose resulte de uma má ou limitada satisfação da libido. Isso contudo não autoriza Freud a dizer que para sempre seremos neuróticos. O que Reich tem a contribuir é que para ele a perturbação da neurose não é da libido em geral, mas da libido genital. Somente plena e satisfatória descarga dessa libido, através do orgasmo, pode assegurar o equilíbrio do indivíduo e preservar sua saúde psíquica. Para Reich, há etapas do psiquismo sadio: a) gratificação genital periódica, através do orgasmo; b) canalização da libido genital, depois da descarga orgástica para reforçar as energias necessárias ao processo de sublimação e da agressividade; e c) sublimação da agressividade, metamorfoseada em atividades socialmente úteis e das pulsões parciais, transformadas em produções culturais, artísticas etc. O indivíduo normal é aquele capaz de trabalho e de amor.

O pessimismo de Freud passa a ser injustificado porque a civilização deixa de ser uma renúncia pulsional do indivíduo formando um antagonismo irredutível entre os interesses do indivíduo e da sociedade e passa a ser uma outra coisa para Reich. O que ele faz é eliminar o conflito ou relativizá-lo, transpondo-o do plano estrutural das fatalidades biológicas para o plano das contradições históricas. Ora, voltemos ao nosso aluno Joãozinho. O que Reich quer dizer é que há todo um questionamento que ultrapassa o conflito neurótico. Joãozinho, em vez de se perguntar aquilo, poderia se questionar acerca do ensino obrigatório, do material de estudo completamente destoante de sua realidade, de sua condição de estudante. Ou mesmo transpor essas formações para o plano das ações: tocar uma música, conversar com alguém, transar... deixar o conflito de lado ou mais popularmente deixar rolar. Somente assim se pode garantir uma vida social harmoniosa. Em vez de investimentos libidinais que perpetuam o conflito, ações que procurem desviá-lo e superá-lo.

A teoria da genitalidade é pioneira em sua crítica à sociedade vigente e à sua ideologia moral incompatível com o livre desenvolvimento da atividade sexual. Reich postulou uma certa “utopia genital” onde o conflito edipiano é resolvido de forma não-repressiva, o Superego se debilita, e não consegue exercer eficazmente a função de introjetar no psiquismo os valores morais inibidores. A força da ideologia portanto se reduz. O indivíduo genital não precisaria mais viver num mundo imaginário para escapar a uma realidade intolerável. Em Reich o que se passa é um livro uso da sexualidade onde o orgasmo funciona como o negativo da fantasia.

Grosseiramente poderíamos concluir da seguinte forma essa explanação sobre Reich. O Ego genital, livre das pressões excessivas do Id porque a libido genital é periodicamente descartada no orgasmo, e livre ao mesmo tempo do Superego porque este é alimentado pela repressão podendo desempenhar harmoniosamente as funções que lhe cabem na economia psíquica: regulamentar conflitos internos e gerir conflitos com o mundo exterior. O Id gratificado em sua reivindicação principal (satisfação erótica) aceita sem maiores hesitações os controles que o Ego lhe impõe. O Ego neurótico pressionado entre um Id frustrado e um Superego tirânico é incapaz de relacionar-se racionalmente como o mundo real. Já o Ego genital promove uma outra tarefa: maior controle de si mesmo.

2) Marcuse

2.1. Crítica do freudismo e/ou impasses da psicanálise.

Se no freudo-marxismo fazia um diálogo onde ambos se perdiam. Em Marcuse, assim como na Escola de Frankfurt, o que há é uma crítica através e contra Marx e Freud. Vamos ver como isso se dá.

Há uma frase de um colega de Marcuse, Theodor Adorno, que diz que Freud tinha razão quando não tinha razão. Isso significa dizer que se em parte há uma verdade particular na psicanálise – principalmente no que tange às pulsões inconscientes e o superego que controla o sujeito – há também uma mentira: uma naturalização do histórico. Há um ponto cego na psicanálise: qual a gênese social do material depositado no Id? Passando ao lado dessa pergunta Freud contribui para um invariante antropológico. O Superego é a Lei, mas é também o esquecimento, uma amnésia socialmente necessária, pela qual a memória dessa internalização é removida da consciência. Um reino para além do Superego? Jamais, segundo a psicanálise. É por aí que Adorno confronta. A crítica do Superego é convertida na crítica da sociedade que produz o Superego. Se ela se abstém dessa crítica, dobra-se à norma social vigente. Defender o Superego alegando sua utilidade ou inevitabilidade equivale a repetir as irracionalidades que a psicanálise se propôs a remover. Há um impasse psicanalítico: ou educar para a realidade existente, o conceito de saúde seria equivalente à capacidade de se adaptar, ou enfatizar os conteúdos incompatíveis com a realidade social, e nesse caso a psicanálise produz mártires ou desadaptados, que impossibilita a felicidade individual. Pode-se resumir o impasse da psicanálise assim: a força crítica do freudismo reside na firmeza em que mantém a contradição entre sujeito e sociedade. Frente a isso, o que fazer? Adaptá-lo ou contrapô-lo?

2.2. A historicização da psicanálise.

Estamos já à porta de Marcuse. Ele entende que para Freud a história do homem é a história de sua repressão. No sentido de que a civilização começa quando o objetivo primário, a satisfação de todas as necessidades, é abandonado. Ocorrem aí modificações profundas. De satisfação imediata para satisfação adiada, de prazer para restrição de prazer, de receptividade para produtividade, de ausência de repressão para segurança etc. Essa experiência traumática é a vitória do princípio de realidade sobre o princípio de prazer: o homem aprende a renunciar ao prazer momentâneo, incerto e destrutivo, substituindo-o pelo prazer adiado, restringido mas garantido. Há então uma subjugação do prazer pela realidade.

Marcuse realiza então uma tarefa singular. Ele aceita os conceitos de repressão e de princípio de realidade. Não contesta o fato de Freud transformá-los em invariantes antropológicos; no entanto, coloca que historicamente esses conceitos aparecem de formas bem distintas. Ele chama de mais-repressão as restrições requeridas pela dominação social que se distingue da repressão (básica): as modificações dos instintos necessários à perpetuação da raça humana em civlização. Ele chama de princípio de desempenho a forma história predominante do princípio de realidade; uma vez que ele muda o próprio princípio de realidade. Um mundo onde a libido é desviada para desempenhos socialmente úteis em que o indivíduo trabalha para si mesmo somente na medida em que trabalha pra o sistema e também onde na maioria das vezes essas atividades não coincidem com suas próprias faculdades e desejos. Uma sociedade governada pelo princípio de desempenho ensina a esquecer a reivindicação de gratificação intemporal e inútil, da eternidade do prazer.

Marcuse traça uma ligação entre o trabalho alienado e o princípio de desempenho. Segundo ele, há possibilidades materiais de instaurar um outro tipo de sociedade onde não houvesse mais miseráveis e fome. Mesmo assim, o capitalismo mobiliza forças psíquicas para anular a consciência dessa possibilidade e para incluir os indivíduos em seu regime de prazer. Além do passo inicial de historicizar alguns conceitos psicanalíticos, há também passos posteriores que podem ser ditos assim: o julgamento de que a vida humana vale a pena ser vivida e o julgamento de que em determinada sociedade existem possibilidades específicas para melhorar a vida humana e modos/meios específicos de realizar essas possibilidades. A questão passa a ser: por que não há realização?

Uma das respostas marcuseanas é o conceito de dessublimação repressiva]. Primeiro vamos entender o que é sublimação. Em psicanálise, sublimação refere-se a todas as defesas bem sucedidas; por exemplo, a transformação da passividade em atividade ou a inversão de certo objetivo no objetivo oposto. O fator comum é que sob a influência do ego a finalidade ou o objetivo se transforma sem bloquear a descarga adequada. Aqui convém igualar sublimação com dessexualização. Porque o que caracteriza a sublimação é um desvio da pulsão de seu objetivo sexual em direção a outros objetivos que não apresentam nenhuma relação aparente com o sexual. É como se a pulsão sexual (libido) encontrasse satisfação num modo não sexual. Ou seja, um objeto sexual é permutado por outro, mais acessível e mais valorizado pelo social. Sublimação, num estudo etimológico, significa erguer à maior altura, elevar à maior perfeição ou ainda passar um corpo diretamente do estado sólido ao gasoso. Estamos aqui ainda numa problemática reichiana. Basta lembrarmos do que disse: o exemplo de Joãozinho e sua sublimação (como Reich queria) perante a prova que ocorrerá amanhã. Sublimação é então vista positivamente. Mais ou menos como Salvador Dali, o pintor surrealista, não vejo exemplo melhor.

Dito isto, qual é a contribuição da dessublimação repressiva? Dividindo os termos. O que é dessublimação? É o processo de substituição da satisfação diferida pela satisfação imediata, da a satisfação indireta pela satisfação direta. Esse processo visa não promover uma liberação real (como na sublimação) mas sim aprisionar melhor os indivíduos nas malhas da ordem existente. Portanto, Marcuse se permite acrescentar repressiva ao processo de dessublimação. Por que? Ora, a partir do momento em que a sublimação visava uma dessexualização ela abria portas para a arte, a literatura, a filosofia etc., representavam a reconversão da energia pulsional não gratificada (libido sexual) e nesse sentido comportavam de fato um momento repressivo, mas continham também elementos de protestos contra o existente. Aqui, no entanto, o princípio de prazer não é negado, mas mobilizado pelo princípio da realidade, que o coopta ao silenciar seu conteúdo negador. Pensemos numa sublimação através do consumo. Pessoas que mobilizam sua libido em assistir a TV ou mesmo comprar uma roupa. É isso que Marcuse chama de dessublimação repressiva.

Mas há outras formas de dessublimação. Vou citar duas: 1) a liberalização sexual. O corpo deixa de ser um instrumento de trabalho (por causa da automação), mas passa a ser valorizado adicionalmente como objeto libidinal. O sexo se transforma em mercadoria e esta se libidiniza assumindo atributos sexuais. A sexualidade invade a propaganda, torna-se estratégia das relações públicas. 2) a Consciência Feliz. Para Marcuse, ela reflete a crença em que o real seja racional e em que o sistema estabelecido a despeito de tudo entrega as mercadorias. As pessoas são levadas a ver no aparato produtivo o agente eficaz de pensamento e ação pessoais. E nessa transferência o aparato também assume o papel de agente moral (outrora chamado de superego, pela psicanálise). A consciência é absolvida por espoliação, pela necessidade geral de coisas. Assim como, na psicanálise, o superego tirânico controlava o ego fraco; em Marcuse, o ‘supersuperego’ controla o imaginário da sociedade que não tem como contrapor-se à sua dominação.

3) Repressão e conformismo: de Reich a Marcuse.

O que quis com a apresentação de parte das obras de Reich e Marcuse foi articular minimamente que ele consideram mudanças estruturais na sexualidade através de aparelhos sociais. Em Reich, além da teoria da genitalidade, que é uma proposta de escape da ideologia, existe também um estudo sobre a personalidade. Para Reich, antes mesmo de Foucault – para quem o poder em seu lado positivo antes de reprimir dociliza –, a opressão sexual gera personalidades dóceis, totalmente influenciáveis por ideologias autoritárias. Então, para Reich a liberação sexual constitui uma ferramenta de libertação. Para Marcuse, o que se passa é que a liberalização da sexualidade estimula o conformismo.

Apesar das divergências aparentemente inconciliáveis, Reich e Marcuse estão sob o mesmo solo. Para ambos a opressão erótica leva à formação de personalidades submissas, com a diferença de que para Marcuse essa opressão erótica é produzida não pela supressão da sexualidade, mas por sua liberação controlada. Para ambos, a sociedade exerce uma repressão sobre a sexualidade. A questão está, portanto, em quebrar essa repressão. É aqui que as estratégias mudam. No entanto, essas estratégias não interessam nesse debate. Vamos portanto direto a Foucault.

4) Conclusão: A recusa da hipótese da repressão por Foucault.

O primeiro volume da História da Sexualidade (A vontade de saber) é o texto principal da divergência entre Foucault e Reich/Marcuse. É nesse livro que vamos entender de que forma Foucault postula que essa hipótese repressiva seria apenas uma peça de um dispositivo mais amplo e complexo. O que significa dizer que principalmente as idéias de Marcuse figuram num momento específico da história.

Foucault argumenta que a hipótese da repressão se equivoca na relação de exclusão entre poder e saber. Para ele, a estratégia de liberar a verdade do sexo não faz frente ao poder. Não adianta portanto considerar a sexualidade como um invariante antropológico. Marcuse e Reich admitiam esse postulado freudiano, ainda que fossem bem mais além. A questão para Foucault é considerar a sexualidade não como dado de natureza, mas como um dispositivo histórico-cultural. O prazer e o poder não se anulam mas se entrelaçam. Toma-se o discurso psicanalítico como um discurso de poder/saber a sexualidade. Estamos aqui distantes já de Marcuse e Reich.