Mário Jorge viveu o horror da pressão ditatorial. Sua estética por vezes esbarra na situação objetiva. Em alguns momentos chegou a abandonar completamente a estética, afirmando que é da fome e da dor que nasce a revolta. Ou seja, não se nasce luta das frases, dos poemas, nem do que ele chamou de choramingos aristotélicos lineares da adolescência mental sergipana. Politicamente a poesia de Mário Jorge é um brado silenciado pelo aparato coercitivo físico e psíquico da ditadura. Por exemplo:
Que tortura maior pode existir
Do que não se pode falar?
De ver tantos homens a dormir,
E não poder a eles acordar?
Que o choro das crianças famintas.
Que os gritos de dor do homem agonizante
Que as chagas purulentas dos meninos doentes,
Que o desespero da mãe de um filho morto,
Morto de fome, de sede e de frio.
Acorde os que dormem
O sono inocente e casto da ignorância,
O sono terrível da alienação
E que mate os que sabem e vêem
Porém nada fazem...
Este é o começo e o fim de Brados. Uma de várias poesias completamente voltadas para o compromisso da revolução radical de MJ. Diomedes é contemporâneo de Mário Jorge (1946-1973), contudo viveu a derrocada do socialismo real e da ditadura militar brasileira. Tais eventos históricos aparecem em sua anti-estética. Deixemos momentaneamente MJ com Diomedes num verso:
Todos estão adormecidos
Ou se fazem de desavisados
E deixam meu grito se perder!
Eu grito, eu chamo, eu aviso!
Acordem!
Que ainda é tempo de lutar
E a verdade não mente
Como as estatísticas!
Se a tarefa de MJ era transformar com o gesto e explodir com o grito, a de Diomedes era a de englobar em um só golpe o machado e a pena. Já não há diferença, é hora de centrar forças no único objetivo da revolução. Diomedes não cansa de despojar toda a sua esperança no funcionar a máquina/produzir a máquina/o mais importante elemento/econômico do processo, ou seja, o proletariado. Para Diomedes, a historiografia tradicional esqueceu que a História não é ditada em gabinetes, ela é fato, é ato de cada dia. É preciso quebrar essa linha dura: a alienação capitalista que chegou a um momento de solidez forte. É uma anti-estética porque não há mais estética, não há mais um e outro. Entre o tudo/e o nada/existe uma razão. Essa razão é a ruptura abrupta real. Já não se procura mais a saída na reflexão. Diomedes se aproxima do Marxismo da Ideologia Alemã, para o qual a oposição de fraseologias não combate de forma alguma o mundo real existente e das Teses Sobre Feuerbach, para a qual não se pode mais interpretar o mundo, mas sim transformá-lo.
Impelido pela práxis marxista, ali onde o homem deve mostrar a verdade e a força de seu pensamento, Diomedes leva a poesia ao seu extremo. Sua poesia não é um murro no tempo, é um salto para fora de si mesma. A arma desse salto, sua mola propulsora, é a esperança do fundo do poço/forçando portas, paredes e caminhos/invadindo homens, barricadas e o tempo/mesmo com toda a opressão/a libertação fecunda/DERRUBEMOS O REI!. A situação de uma periferia capitalista, cuja dinâmica é girar em falso ou de ter as idéias fora do lugar, experimentando a possibilidade de um horizonte melhor com a dissolução da ditadura militar contrastava com a posição mundial de derrocada do socialismo realmente existente. Diomedes experimentou, com o PT em ascensão, a possibilidade de transformação. Seu fio condutor, em sua construção anti-estética, é justamente a certeza da vitória. Na periferia periférica capitalista, Diomedes bradou, gritou e acreditou que outros fariam o mesmo que ele.
Os métodos de Mário Jorge e Diomedes não são fracassados, embora não tenham dado certo. Ainda que possamos perceber ainda hoje os frutos de um e de outro, sobretudo na formação de uma categoria combatente na conjuntura sergipana, há uma lacuna de lá para cá. Este espaço vazio de militância foi provocado pelo avanço do componente integral e fundamental do capitalismo: o fetichismo da mercadoria. O capital domesticou a própria relação que existia entre homem e arte, ao passo que domesticava a relação homem x homem e homem x trabalho. Os métodos dos dois poetas sergipanos, acima de tudo militantes engajados na possibilidade de uma nova sociedade, não são fracassados porque plantaram a semente de uma revolução: a idéia de que se devem arrebentar as amarras. É essa força que poderá tornar capaz algum tipo de fissura profunda no capitalismo. É como se Mário Jorge e Diomedes quisessem dizer que há um ponto em que, quando se chega, já não se pode mais voltar; é neste ponto que a atividade revolucionária deve almejar conquistar.