Correndo risco de ser autoritário, tomo por tal figura a essência da experiência da poesia de Mário Jorge Vieira (1946-1973). Nela estão contidos seus principais elementos: a ação do marginauta e a subida sem vacilo no desconhecido mundo da imaginação. Esse tipo de dinâmica cujo elemento central é a possibilidade de silêncios que dormem em palavras sedentas de ouvidos é própria ao universo poético de Mário Jorge onde a possibilidade da impossibilidade é pensada não por um fechar de olhos que engendra um mundo metafísico e desligado do real, mas um mundo de extrilhaços; ou seja, de um mundo despedaçado pela tecnologia onde é esta própria técnica que estilhaça o mundo que lhe mostra possibilidade de entrar nos trilhos ou de procurar trilhos para rumar para um novo horizonte. Mais, ainda, esse desenho traz também a experimentação da revolição.
Com este termo, revolição, Mário Jorge parecia pensar diversas coisas. Por exemplo, uma experiência estética própria que consistia, a saber, num ato inicial de toda manifestação voluntária. Algo como um auto-mergulho no ser e no mundo. Trata-se da ação de imergir no fundo do homem e das coisas: é a arte-vida, arte-vômito: deglutir o real como totalidade. Revolição passa a ser um movimento próprio reflexivo da construção literária e poética. É um ir e voltar. Por isso um vôo, porque se situa sempre entre. A poesia de Mário Jorge era o engolir e vomitar o real. Porém não apenas isso. Há um meio-termo aí: é a degustação ou a digestão própria ao interior de cada organismo. Engolir e vomitar não é reprodução do mesmo, mas do diferente, do particular. A poesia de Mário Jorge é uma desdobração. Não é desdobramento porque não é só a ação de revirar o mundo de uma outra forma. É desdobração porque é a ação de desdobrar, de redobrar, de retorcer, de chacoalhar, de quebrar e de destruir; todos estes elementos no liquidificador da criação. Essa desdobração
Há um trecho de Mário Jorge que também sintetiza, a meu ver, boa parte de sua intenção:
O marginauta imagina-se
Em remotas plagas onde o vento
Não habita seu ninho de nuvens
O marginauta fez-se só
E a solidão ácida dos dedos
Cruzando-se em mãos alheias
Ao chiqueiro do corpo
O marginauta maluco margina
Andante duro de mágicas
Cansado de sons trágicos
Toma a nave e decola
Há três momentos essenciais presentes aqui que são igualmente importantes para Mário Jorge. Primeiro a ação primeira do poeta: o vôo para remotas regiões. É essa ação de liquidação do estoque das palavras e o jogar-se sem medo no barco da imaginação que constitui o ato do marginauta. O segundo momento é o fazer-se só em escrita,
A obra de Mário Jorge, a meu ver, é a travessia do vôomito. Começa com um vôo para este mundo visto por uma outra perspectiva, continua com uma tentativa de materializar tal visão e termina com uma ação mais forte do que começou: criar incessantemente. MJ apostava todas as fichas na certeza de que a poesia não perderia para Indústria Cultural. Justamente porque em sua opinião ela trazia algo impossível a mass-media: o germe do novo sempre diferente. A arte não pode aliar-se a nada, deve permanecer autêntica em si, só assim poderá ser política, revolucionária. É uma atividade puramente livre, desprendida de qualquer grilhão. Mas nem por isso descompromissada com o real, pois sua tarefa é transformá-lo.
Mário Jorge se faz ouvir no silêncio, sobretudo na mudez dos jovens de Aracaju. Onde ali existe silêncio, conformismo, padrão e indiferença, podemos ter a certeza de que ali não existe Mário Jorge. Sua obra luta em duas frentes: transforma com o gesto e explode com o grito. Isto significa afirmar que é a ação revolucionária unida com um novo tipo de vínculo estético que pode criar um mundo distinto. Como ele mesmo dizia: não mais a conversa fiada. A palavra afiada.
1 comment:
"Casa"
juntando tudo.
esta voltando pra casa;
voltando pra terra do poeta...
voltando pra Marte!
onde não se precisa de par:
pois todos são ímpar.
j.Fábio 27/05/2007
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